Agentes populares de saúde: organização popular para salvar vidas e defender a democracia

Por Rodrigo* e Lívia Méllo**

A ausência do Estado e a presença do povo

O Brasil hoje vive uma das maiores catástrofes sanitárias da sua história, somada a um contexto de grande instabilidade política, econômica e de desmonte de políticas sociais, o que reafirma a importância do Sistema Único de Saúde na garantia e prestação de serviços de saúde públicos e de qualidade.

A pandemia do novo coronavírus atingiu o Brasil no mês de março deste ano e seguiu avançando de maneira acelerada por todas as capitais do país, causando maiores danos nas populações mais vulneráveis de aglomerados urbanos com pouca infraestrutura, localizados principalmente nas periferias das grande cidades e regiões metropolitanas, se expandindo para as cidades do interior.

Desde o início da pandemia setores da sociedade civil organizada, movimentos sociais, Organizações Não Governamentais, instituições religiosas, etc, realizaram ações de solidariedade por todo o país.

No estado de Pernambuco foi criado o projeto Marmita Solidária, com o objetivo de garantir, primeiramente, a segurança alimentar das populações mais vulneráveis, matando a fome de milhares de pessoas. Formado por setores da igreja católica, Unificados pela População em Situação de Rua, Movimento dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais Sem Terra, Movimento de Trabalhadoras e Trabalhadores por Direitos, entre outros, o projeto começou ainda no mês de março no Armazém do Campo do Recife, distribuindo milhares de refeições para a população em situação de rua, com alimentos vindos de campanhas de doações e também de assentamentos e acampamentos da reforma agrária do interior do estado.

Distribuição de 2 toneladas de Alimentos da Agricultura Família e da Reforma Agraria pelo Mãos Solidárias.
Foto: PH Reinaux / Comunicação do Mãos Solidarias

O projeto se expandiu para várias cidades do interior, como Caruaru, Garanhuns e Petrolina, que também iniciaram experiências de solidariedade voltadas à segurança alimentar de populações vulnerabilizadas.

A campanha foi ampliando sua atuação para distribuição de cestas básicas em bairros periféricos da região Metropolitana do Recife, confecção de máscaras solidárias para serviços de saúde e voluntários do Projeto Marmita Solidários, com produção de milhares de máscaras confeccionadas por costureiras que atenderam ao chamado de voluntariado.

Outras brigadas foram se formando no âmbito do Armazém do Campo, como a brigada de Assessoria Popular Solidária, auxiliando a população em situação de rua a acessar o Auxílio Emergencial, brigada de Comunicação e brigada de Saúde, a qual estruturou sua prática na criação de protocolos de vigilância e de práticas preventivas e de saúde para com os voluntários do projeto.

Distribuição de 2 toneladas de Alimentos da Agricultura Família e da Reforma Agraria pelo Mãos Solidárias.
Foto: PH Reinaux / Comunicação do Mãos Solidarias

Organização Comunitária e participação popular: Educação Popular como Farol

A experiência junto à População em Situação de Rua foi e continua sendo importante. Porém, era preciso mais. Era preciso recorrer àquilo que mais sabíamos fazer, ou seja, a organização do povo para uma solidariedade ativa, onde o povo é protagonista  e construtor de um outro projeto de sociedade: um Projeto Popular de Brasil.

Assim, no dia 1º de Maio, iniciamos a primeira experiência de organização popular nos territórios, buscando chegar mais perto das pessoas, considerando a realidade dos lugares onde elas vivem e suas múltiplas necessidades.

Com o lema “O povo cuidando do povo”, foram conformadas as brigadas populares solidárias territoriais, seja para racionalizar a distribuição de alimentos, seja para levar cuidados de saúde, o que demandou uma formação de lideranças como Agentes Populares de Saúde.

Oficina de produção de sabão durante a formação dos Agentes Populares de Saúde.
Foto: PH Reinaux / MTD-PE / Mãos Solidárias

Os Agentes Populares de Saúde são pessoas da própria comunidade, que conhecem bem a realidade local, têm contato permanente com seus vizinhos e outras pessoas que ali residem, e estão dispostas a ajudar e cuidar do outro.

Partimos de pessoas que desenvolvem algum trabalho de liderança na comunidade, que se preocupa com o bem estar da vizinhança e que possuem confiança da comunidade por suas boas práticas coletivas, e chegamos a pessoas que não tinham qualquer envolvimento social até então.

Estas pessoas participam de uma formação de Agentes Populares de Saúde, conduzidas a partir do referencial teórico-prático da educação popular, onde os conhecimentos científico e popular dialogam e se adequam aos contextos e realidades locais. O curso foi dividido em três módulos teórico-prático, seguindo todas as normas de biossegurança durante os encontros presencias.

Formação dos Agentes Populares de Saúde.
Foto: PH Reinaux / Comunicação do Mãos Solidarias

Para isso, foi composta uma comissão político-pedagógica, com participação de diversos movimentos sociais, em parceria com a Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz).  Estas contribuíram com o conhecimento científico, fornecendo certificação para o agente que concluírem os três módulos de formação: 1) “Quem somos nós? & O que conhecemos do vírus?”; 2) “Como cuidar da minha comunidade?”; 3) “Sem direitos não dá pra ficar em casa!”.

As brigadas de Agentes Populares de Saúde têm o objetivo de salvar vidas, construindo uma rede de solidariedade ativa, desenvolvendo ações de educação em saúde para prevenir o contágio da COVID-19, prestando apoio e informações à população para: compreender melhor o vírus, as formas de transmissão, os sinais e sintomas da doença, quando e onde buscar atendimento em um serviço de saúde em situações de emergência; mapeamento de pessoas inseridas em grupo de risco e famílias de maior vulnerabilidade social; monitoramento rua a rua, casa a casa em busca ativa de pessoas sintomáticas e orientações de medidas preventivas de isolamento domiciliar, distanciamento social, higiene pessoal e doméstica.

Agentes Populares de Saúde em ação no bairro de Brasília Teimosa, Recife-PE.
Foto: Comunicação do Mãos Solidarias

De Olinda-PE para o interior do estado e outros estados do Brasil

A primeira turma de Agentes Populares de Saúde do estado de Pernambuco foi formada no bairro de Peixinhos, na cidade de Olinda, onde uma brigada de solidariedade hoje atua.  A brigada realiza ações preventivas em saúde, bem como doação de cestas básicas de alimentos, produtos de higiene, máscaras de proteção, conscientização dos moradores sobre os direitos que possuem e construção de iniciativas que garantam melhorias nas condições de vida daquela população.

Primeira turma dos Agentes Populares de Saúde em Peixinhos, Olinda-PE.
Foto: Comunicação do Mãos Solidárias

Realizam contatos frequentes com a equipe de saúde da família, sendo um grande aliado do SUS nesse vínculo entre o serviço de saúde e a população coberta pela equipe, afirmando o lema “O povo cuidando do povo em defesa do SUS”.

Os agentes passam na porta das casas, com os devidos cuidados de proteção, distanciamento seguro, realizando cadastramento e monitoramento das famílias sob sua responsabilidade. Estes dados coletados servem de subsidio para guiar as ações coletivas prioritárias da brigada naquele território.

Os Agentes Populares de Saúde promovem ação de educação em saúde, fortalecendo o combate a Covid em Rio Doce, Olinda-PE.
Foto: PH Reinaux / MTD-PE

Em Peixinhos os agentes montaram recursos de comunicação a partir de caixas de som instaladas em bicicletas, que denominaram “bicicletas da saúde”. Nelas reproduzem conteúdos em áudios informativos sobre a transmissão da doença e as medidas de prevenção, anunciam plantões de assessoria jurídica popular e ações diversas que estejam em curso na comunidade. Pra isso, foram feitas parcerias com cursos de comunicação das universidades e veículos de comunicação populares que são parceiros do projeto Mão Solidárias.

Bicicleta da Saúde em Peixinhos, Olinda-PE.
Foto: Brasil de Fato

Além das ações de saúde, as brigadas de voluntários atuam na construção de bancos populares de alimentos, que coletam doações de pessoas da própria comunidade e doações externas, armazenando e distribuindo de acordo com a necessidade de cada família cadastrada. Em outros territórios organizam hortas comunitárias, plantões de assessoria jurídica popular para acesso ao auxílio emergencial e organização de costureiras para costura de máscaras de proteção individual, seja para doação, seja para venda e geração de renda.

Outras brigadas territoriais foram se construindo em diversos bairros da cidade do Recife e Região Metropolitana como em Brasília Teimosa, na comunidade 7 Mucambo no bairro da Várzea, Morro da Conceição, Ibura, comunidades de Camaragibe, Olinda, Jaboatão dos Guararapes e Paulista.

Ação unificada no Dia Internacional da Solidariedade com os Agentes Populares de Saúde, MST, Levante Popular da Juventude e Campanha Mãos Solidárias no Morro da Conceição, Recife-PE.
Foto: Comunicação do Mãos Solidarias

A inciativa foi se expandindo para regiões do interior do estado de Pernambuco, incluindo áreas urbanas e rurais das cidades de Palmares, Vitória de Santo Antão, Caruaru, Afogados de Ingazeira e Gameleira.

O projeto Agentes Populares de Saúde hoje se encontra em fase de nacionalização, tendo chegado em Alagoas, Bahia, Ceará, São Paulo, Minas Gerais e Distrito Federal. É uma estratégia importante não só para salvar vidas durante a pandemia, mas também de organização comunitária para continuar na luta consciente do poder popular, em vista do direito de viver com dignidade.

Formação dos Agentes Populares de Saúde em Serra Talhada-PE
Foto: Comunicação do Mãos Solidarias

Para mais informações acesse o site da campanha.

*Membro da Rede Nacional de Médicos e Médicas Populares – Brigada de Saúde da Campanha Mãos Solidárias & Periferia Viva
**Professora de Saúde Coletiva da UFRB – Brigada de Saúde da Campanha Mãos Solidárias & Periferia Viva

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