Filme repetido: Governo federal e estados politizam debate sobre a terceira dose

Entrevista de Fernanda Americano Freitas Silva para o podcast A Covid-19 na Semana do Brasil de Fato

Semana teve corrida de anúncios da revacinação no país e indiretas públicas por parte do Ministério da Saúde

A semana no Brasil foi marcada por nova disputa política em torno de um dos assuntos mais importantes da pandemia, a vacinação. Na quarta-feira (25), o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, oficializou o reforço para pessoas com 70 anos ou mais e pacientes imunossuprimidos.

Como estamos em uma pandemia, é esperado o Plano Nacional de Imunização tenha maior unicidade

Com a divulgação, foi apertado o gatilho para uma verdadeira corrida de anúncios. Também na quarta, o governador de São Paulo, João Dória (PSDB), comunicou que o estado iria começar a revacinação antes de 15 de setembro, data prevista pelo governo federal. O governo tucano pretende iniciar as aplicações no dia 6 do mesmo mês.

Decisões semelhantes foram repassadas por outras unidades da federação. Em Mato Grosso, a aplicação já começou, assim como na capital maranhense São Luís. No Rio de Janeiro a ideia é iniciar o reforço na primeira semana de setembro. Espírito Santo, Minas Gerais, Santa Catarina, Roraima e Goiás também pretendem se antecipar. 

Em participação no podcast A Covid-19 na Semana, a médica Fernanda Americano Freitas Silva, da Rede Nacional de Médicas e Médicos Populares, afirma que a abordagem do Brasil no combate ao pandemia sempre foi pouco eficaz.

Ela explica que o descompasso na tomada de decisões, “desencadeado pela inconstância do Ministério da Saúde e governo de uma forma geral”, gerou falta de centralidade nas ações do PNI, o que prejudica o andamento do programa.

“O PNI costuma atuar com calendário fixo em todos os territórios, de forma geral. Como estamos em uma pandemia, é esperado que ele aja com maior unicidade de ações. O contrário disso me sugere desorganização e até um desespero por parte dos municípios, devido à dificuldade de resposta rápidas e outros interesses políticos associados”.

A disputa velada gerou reação por parte do ministro Queiroga. Ainda na quarta, ele defendeu a “soberania” do Programa Nacional de Imunização (PNI). Segundo Queiroga, estados e municípios devem seguir as orientações do Ministério, sob risco de ficarem sem doses.

“Se cada um quiser fazer seu próprio regime, não vai dar porque nós não vamos conseguir entregar essas doses”, disse ele. O ministro aproveitou para alfinetar os estados que reclamam do atraso na entrega de imunizantes.

“Não adianta ficar noticiando na imprensa que o ministério atrasou, que faltou dose, porque se for diferente vai faltar dose mesmo. Não vale ir para a Justiça. O direito de ir para a Justiça é universal, é constitucional, mas o juiz não vai assegurar dose que não existem”, enfatizou Queiroga.

Polêmica global

Não é só no Brasil que o poder público se mobiliza para começar a aplicação das doses de reforço da vacina contra a covid-19. Países como Israel, Uruguai, França, Rússia e Chile também já determinaram as aplicações. 

Em alguns deles, no entanto, o reforço não é destinado apenas a pessoas com o sistema imune fragilizado. Israel, por exemplo, está vacinando toda a população acima de trinta anos com a terceira dose.

Segundo a Organização Mundial da Saúde  (OMS) não há indicativos científicos conclusivos que justifiquem tal medida. No caso dos idosos, idosas, imunossuprimidos e imunissuprimidas já existem pesquisas que observam uma queda na imunidade um tempo após as primeiras doses. Para a população em geral, o assunto ainda é controverso.

A médica Fernanda Americano Freitas Silva explica que algumas análises sugerem que as defesas do organismo contra a covid declinam com o tempo, mas “falta conclusão de alguns estudos com maior qualidade de evidências”, que já estão em andamento. 

Ela ressalta que os dados preliminares não devem ser motivo de desespero para a população e destaca também a importância de manutenção das medidas de prevenção, enquanto a vacinação não chega a todos.

“Dentro dessa discussão existem alguns aspectos para serem levados em conta. Existe uma preocupação com a diminuição da eficácia geral das vacinas, mas até o momento a gente sabe que elas têm uma proteção alta para diminuir mortes”, relata a médica.

Como ainda não há evidências mais explícitas sobre esse suposto declínio do efeito da vacina na população em geral, Fernanda relata que “alguns cientistas veem a oferta das doses extras como um uso inadequado dos recursos”, que desvia a humanidade do foco principal: vacinar o maior número de pessoas e evitar mortes.

A OMS considera um problema ético e moral o fato de países desenvolvidos tomarem a decisão, enquanto nações com menor poder econômico não conseguiram nem mesmo vacinar as populações mais frágeis. 

Na terça-feira (24), a infectologista Maria Van Kerkhove, que integra a equipe da OMS responsável pelo combate ao coronavírus, alertou que não é possível acabar com a pandemia sem uma solução global. “Nós não vamos resolver esse problema em nível nacional” afirmou ela em transmissão ao vivo.

“A ideia de que nós podemos proteger uma população totalmente sem proteger o resto do mundo é uma falsa sensação de segurança. Nós temos as variantes emergindo. Nós temos um mundo totalmente interconectado e muitas pessoas estão viajando. Vírus viajam por meio das pessoas”, alertou a especialista.

Na mesma ocasião, a especialista ponderou que as críticas não se referem à aplicação em pessoas com o sistema imunológico fragilizado, mas sim à vacinação em massa de cidadãos e cidadãs que ainda estão protegidos pelas doses iniciais e que não fazem parte dos grupos que correm maior risco.

Edição: Vinicius Segalla

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