Salvador: Má gestão da pandemia na atenção primária

Infelizmente, o município não preparou a rede de atenção básica para o enfrentamento da pandemia. Confira a nota do núcleo Salvador da Rede Nacional de Médicas e Médicos Populares.

O Município de Salvador/BA anunciou aleatoriamente esta semana, o fechamento e desmontagem de consultórios odontológicos, e a instalação de leito de observação espalhados em consultórios nas unidades de saúde da família (USF). Essa medida, se registrada formalmente junto ao Ministério da Saúde, levará ao desfinanciamento significativo de custeio da saúde bucal municipal, com redução de cobertura, além de não ser a forma mais adequada para instalação de leitos, nem mesmo em unidades de emergência.

Há anos, a política de urgência e emergência e de acolhimento à demanda espontânea no âmbito da APS está colocada em segundo plano. Grandes partes das unidades nunca receberam treinamento das equipes, mesmo o município tendo um núcleo de capacitação permanente do SAMU com essa função. Grande parte das unidades não recebem medicações e materiais adequados para atendimento desses casos (como materiais para acesso intravenoso, medicações intravenosas, cilindros de oxigenioterapia e máscaras de oxigênio, desfribrilador externo automático – DEA, materiais para suturas, sondagem vesical, pequenos procedimentos, etc). Isso é a principal causa dos atendimentos classificados como fichas verdes e azuis representarem mais de 77% dos atendimentos realizados nas Unidades de Pronto Atendimento (UPAs) da cidade, em 2019 a 2020. Acolher fichas azuis, verdes e amarelas na APS era pra ser rotina, até mesmo no cenário sem pandemia.

Nesses 11 meses de pandemia, Salvador utilizou uma estratégia equivocada de não organizar precocemente a testagem nas unidades de saúde, para o atendimento de sintomáticos que procurassem o serviço; optando pela testagem de indivíduos assintomáticos nos centros de testagem na rua, aproveitando a mão de obra da APS, esvaziando os recursos humanos da APS com o deslocamento de profissionais para esses centros.

Salvador deixou de receber inúmeros recursos para APS. Não implantou os Centros Comunitários de Enfrentamento à COVID-19 na APS (serviços de APS voltados ao atendimento de comunidades e favelas), que poderia representar de 20 a 44 estabelecimentos com financiamento de até 80 mil mensal custeados pelo ministério da saúde (MS). Não implantou unidades de Saúde na Hora, nem cadastrou unidades de Saúde na Hora emergencial para funcionamento 24h (o município não tem nenhuma unidade do programa) e demorou a organizar o registro dos atendimentos com sintoma de COVID-19, levando à perda do incentivo per capita para unidades que registrarem esse tipo de atendimento. Não implantou nenhum Centro de Atendimento à COVID-19 (serviços de referência da rede intermediários entre a APS e a emergência com estrutura mínima de consultório, sala de acolhimento, de isolamento e de coleta). Optou por implantar Gripários (inclusive com melhor estrutura), financiados com recursos próprios e com verbas gerais do recurso de socorro da União aos estados e municípios. Ou seja, apenas por não ter feito o registro administrativo dos 06 gripários implantados como Centro de Atendimento à COVID-19, o município perdeu de R$ 2,1 a 3,6 milhões de reais.

O município registrou o máximo de 714 leitos de enfermaria e 692 de UTI (agosto e setembro/2020), quando registrou taxas menores taxas de ocupação (abaixo de 40%); no entanto, por falta de recursos ou economia de recursos, ocorreu o fechamento de leitos de quase 50%, chegando a 275 de enfermaria e 322 de UTI (em dezembro/2020), voltando abrir novos leitos, tendo iniciado a segunda quinzena de fevereiro/2021 com 396 de enfermaria e 589 de UTI. Esses recursos da atenção primária teriam sido fundamentais para permitir que o recurso de socorro da União e os recursos próprios fossem utilizados de forma adequada para a abertura e manutenção de leitos.

O município ainda tem vários médicos aguardando serem empossados como estatutários para cargos na rede de atenção primária, o que não ocorre desde 2019, por motivos administrativos. Recebeu incentivo financeiro do MS para estruturação, reorganização e adequação dos ambientes voltados à assistência odontológica na APS, visando à manutenção dos atendimentos. Recebeu incentivo para a implantação de unidades com residência médica e multiprofissional, buscando a garantia de manutenção dos serviços de residência, conforme preconizado pelas matrizes de competências dos programas de saúde da família.

Nesse cenário, de iminente colapso da rede de emergência na segunda onda, ocasionado pelo fechamento de leitos e por relaxamento das medidas de isolamento social, o município anuncia o atendimento de fichas laranjas (muito urgente, necessitam de atendimento imediato) em unidades de atenção básica de referência, estimulando o encaminhamento para essas unidades, sem estruturação prévia dos serviços, sem sequer comunicação e conversa prévia com os profissionais para entendimento dos cenários de cada unidade.

Por fim, a APS tem convivido diariamente com a quarta onda, ao ter que manejar boa parte dos pacientes afetados pela suspensão de atendimentos eletivos e ambulatoriais na rede secundária. Logo, é urgente repensar condução da pandemia na atenção primária, levando em conta a realidade dos serviços, das residências, e da assistência odontológica.

Salvador, 24 de Fevereiro de 2021.

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